Quando uma pessoa te convida para conhecer sua casa nova tem um propósito em mente: ouvir comentários positivos. E quando essa pessoa não é rica, mas miseravelmente rica, a intenção é de te espremer até extrair o último elogio. Assim é aconselhável preparar-se com uma certa antecedência munindo-se de uma quantidade substancial de adjetivos aprazíveis aos ouvidos de seu anfitrião.
Ao chegar à residência é de praxe começar com um: "Uau como è grande!" E dentro continuar a encenação recitando o monólogo do lugar-comum:
belíssima a decoração,
maravilhosa vista, cozinha
super moderna, quarto de
grande estilo. E para não parecer blasé ou pior, um poço sem fundo de ignorância sobre a arte do design, use uma expressão da moda ao opinar sobre os acessórios do banheiro:
muito minimalista (se é que esses duas palavras podem conviver na mesma frase sem causar um antagonismo ideológico).
Ao final do tour, a conversa terminará com um "meus cumprimentos, sua casa é perfeita" e todos se sentirão com o dever comprido: o proprietário por ter demonstrado quanto dinheiro tem, e o visitante por ter se comportado civilizadamente ao ser exposto a tanta ostentação. Mas, eis que um deles não se d
á por satisfeito:
- Isso por que você não viu o último cômodo.
- Como assim? Tem mais?
Sim. E enquanto seu amigo(?) se dirige ao lugar que os mortais comuns chamam de garagem, nervosamente você começa a pensar como se faz para elogiar um buraco onde se guardam carros. A descrição se inizia com o portão eletrônico, passa pelo espaço disponível para dois carros off road e se estende a uma porta no fundo que t
chan tchan tchan, é a entrada de uma adega climatizada para vinhos que seu dono não sabe nem pronunciar o nome.
Até aquele momento você havia se portado educadamente sem ser afetado, falso ou despeitoso mas bem no desfecho do ultimo ato corre um sério risco de parecer tosco, repetitivo e de um espírito obtuso a 180°. Os últimos detalhes saem da boca do seu incansável cicerone e os ouvidos se abrem para desfrutar a estonteante impressão que pensa de ter causado, mas você
está no limite de perder a compusta. Que cacete de opinião posso ter sobre esse cubo de merda?
- Então, o que achou da nossa garagem?
- A essência da superficialidade.
Que iluminação, um verdadeiro insight, o mais puro gozo lexical. Mas os freios ABS dos impulsos primitivos foram mais rápidos e saiu somente um:
- Bastante refinada.
- Refinada? Como o açúcar refinado?
- Não, não. Refinada de extra fino, o máximo da elegância, o supra-sumo da sofisticação.
- Ahhhh...
O
stress provocou um hiperbólico redemoinho de despautérios, mas pelo menos preencheu o vácuo da pergunta e finalmente se pode repousar em paz.