quarta-feira, outubro 06, 2010

Um excêntrico desdém

Devo confessar uma coisa. Tenho um sério distúrbio relacionado a fechamento. Explico: não fecho completamente as tampas, ao mesmo tempo não suporto portas abertas. Parece uma contradição, mas é verdade. É motivo de várias desavenças na minha casa. Deixo a garrafa mal tampada e o primeiro que a pega pela boca, sempre meu marido, deixa cair e esparrama seu conteúdo pelos quatro cantos do universo. Acontece com outros recipientes: creme dental, perfume, potes de mantimentos. Enfim qualquer frasco cuja abertura seja aquele complicado sistema de enroscar. Mas que bobagem é essa que estou escrevendo?

Paciência que já, já atravessamos esse mar de nonsense e chegamos a uma ilha mais elucidativa. Segure firme na minha mão. Para compensar essa deficiência com aberturas, me dá nos nervos portas escancaradas. Isso inclui quartos, armários, guarda-roupas. Não consigo dormir se uma gaveta estiver aberta. Por onde passo, vou trancando tudo. Acho que o som da fechadura apazigua o espírito aflito, aprisiona toda a confusão da alma. É poético, mas meu marido chama de esquisitice. Vive fazendo imprecações contra o que eu própria classifico como excentricidade. Um dia a praga pegou.

Chegamos ao ponto. Uma historinha curta. Atrasados para uma festa. "Onde está o cortador de unha? Ali, atrás do hidratante de uva". Preâmbulo de uma catástrofe. Vi um pote entreaberto escorregando, um líquido pastoso alçar vôo do chão e aterrissar numa pista alvinha. A camisa branca com poás violáceos foi só o começo. Minutos depois, na saída. "Cadê as chaves do carro? No... chaveiro de casa. Na... porta da frente. Pelo lado de... dentro!"  E o tempo fechou. Bem, diante de um homem convicto da sua ira, apenas desdenhe. Em pensamento, claro. "Não tava a fim de ir na festa mesmo".

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